Por Fernanda Oromi, Gabriel Bittencourt e Talita Pastore
Em 17 de setembro de 2015, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650O, o Supremo Tribunal Federal - STF, decidiu ser constitucional o uso de recursos próprios por parte de candidatos e a doação para campanhas eleitorais feitas por pessoas naturais. A demanda, promovida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, declarou constitucionais os art. 23, § 1º, I e II, da Lei nº 9.504/97 e art. 39, § 5º, da Lei nº 9.096/95.
Por outro lado, a Corte entendeu que a doação por pessoas jurídicas para financiamento de campanha é contrária aos princípios democráticos e à igualdade política, pois haveria captura do processo político pelo poder econômico. Assim, declarou inconstitucionais os arts. 24, caput e parágrafo único da Lei nº 9.504/97, art. 81, caput, e § 1º, da Lei nº 9.507/94, art. 31, da Lei nº 9.096/95, e as expressões: “ou pessoa jurídica”, constante no art. 38, inciso III, e “e jurídicas”, inserta no art. 39, caput e § 5º, todos preceitos da Lei nº 9.096/95. O STF ressaltou que a doação por pessoas jurídicas não pode ser entendida como um desdobramento do princípio da liberdade de expressão; e que a excessiva penetração do poder econômico no processo político compromete o estado ideal de coisas à medida que privilegia alguns poucos candidatos – que possuem ligações com os grandes doadores – em detrimento dos demais.
Definiu também que a participação política por pessoas jurídicas não é inerente ao regime democrático em geral e à cidadania em particular, uma vez que a cidadania é inerente às pessoas naturais. Desse modo, autorizar que pessoas jurídicas participem da vida política seria, em primeiro lugar, contrário à essência do próprio regime democrático, eis que o exercício de direitos políticos é incompatível com a essência das pessoas jurídicas.
Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE aprovou em 2019 a RESOLUÇÃO Nº 23.607, vigente para a atual campanha política. A legislação é enfática no critério de que somente pessoas físicas podem doar para campanhas eleitorais. Além disso, outros requisitos também devem ser observados, como o limite monetário da doação, que deve ser de no máximo 10% do rendimento bruto declarado pelo doador à Receita Federal no ano anterior à eleição, sujeito à multa no caso de descumprimento.
Deve-se observar que, apesar da possibilidade de pessoas físicas doarem subsídios às campanhas, somente brasileiros (e que não sejam permissionários de serviço público) são legitimados para realizar o donativo.
Para receber doações, o partido ou candidato/a deve ter inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, além de ter uma conta bancária específica destinada a registrar a movimentação financeira da campanha. Para fins de prestação de contas anuais perante o TSE, é dever do partido ter a emissão dos recibos de doação e o envio imediato para a Justiça Eleitoral de todas as informações relativas às doações recebidas.
Doações em valores acima de R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre contas ou por cheque cruzado. Para valores inferiores, a doação pode ser feita por PIX, desde que a chave seja o CPF, a fim de garantir que o doador seja pessoa física. Visando maior transparência do processo eleitoral, todas as doações para partidos e candidatos/as ficam disponíveis para pesquisas no portal do TSE: Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.
Com base nesse sistema, o Jornal NEXO identificou, em 12/09, as maiores doações nas eleições de 2022 até aquele momento. Os maiores valores superaram um milhão de reais, sendo que todos os doadores eram ligados a atividades empresariais de alguma espécie. A reportagem também identificou para quais partidos os valores foram direcionados:
Fonte: reprodução Jornal Nexo
Apesar do regramento existente desde a decisão do STF, ainda existe a possibilidade de que indivíduos, devido à sua relação com pessoas jurídicas que dispõem de maiores recursos, tenham maior capacidade de influenciar economicamente eleições, por meio de suas doações. A democracia é um jogo entre pares, que detêm todos votos de igual valor, e seu resultado traduziria assim a vontade da maioria da população. Existem, no entanto, preocupações de que a influência econômica de empresas seja por vezes mais significativa do que o voto individual de cada cidadão - afinal, somente empresas com aporte econômico significativo é que são capazes de realizar doações tão vultosas.
Assim, a Clínica de Direitos Humanos do PPGD-PUCPR, por meio do LARDEM, procedeu à verificação: desde a data da reportagem inicial, quantas outras doações ultrapassaram o valor de 1 milhão? E qual seria o novo valor máximo?
Gráfico elaborado pelo LARDEM, com dados de 27/09/2022, medido em milhões de reais.
Foi verificado que o novo maior valor doado é na casa dos 8 milhões, e um total de 42 pessoas físicas doaram somas superiores a 1 milhão - com a lista completa disponível ao final. Além disso, 35 atuam diretamente com alguma empresa, refletindo o potencial que estas têm de criarem o espaço que viabiliza um acúmulo econômico que pode vir a ter, teoricamente, o condão de influenciar eleições de maneira desproporcional quando comparado aos votos individuais dos demais cidadãos.
A influência desproporcional que empresas têm sobre direitos humanos em relação com suas obrigações inclui, também, suas potenciais influências no pleito democrático. É relevante acompanhar ações neste sentido, para que a proibição de doações por pessoas jurídicas não seja mera descrição jurídica formal, e sim norma efetiva.
Lista completa de pessoas fisicas que doaram R$1 milhão ou mais (27/09):
Doador | Valor (em reais) | Empresa de Vinculação |
Rubens Ometto Silveira Mello | 8 milhões e 800 mil | Raízen Combustíveis e Cosan Combustíveis |
Alexandre Grendene Bartelle | 5 milhões e 940 mil | Grendene Calçados |
Pedro Grendene Bartelle | 4 milhões e 265 mil | Grendene Calçados |
José Salim Mattar Junior | 3 milhões e 225 mil | Localiza Aluguel de Carros |
Heitor Vanderlei Linden | 2 milhões e 600 mil | Beira-Rio Calçados |
Candido Botelho Bracher | 2 milhões e 471 mil | Itaú Unibanco |
Pedro de Godoy Bueno | 2 milhões e 875 mil | Dasa Saúde |
Valter Egidio da Costa | 2 milhões e 603 mil | Seven-Par Investimentos e Dan-Hebert Engenharia |
Helio Figueiredo Freire Filho | 2 milhões | Rocha Imobiliária |
Luís Alberto Saldanha Nicolau | 1 milhão e 800 mil | Fort Facilities Serviços |
Orlando Vitorio Bagattoli | 1 milhão e 650 mil | Kargioli Exportações e Giomila Transportes |
Antônio Celso Cortez | 1 milhão e 570 mil | PSG Tecnologia |
Arminio Fraga Neto | 1 milhão e 556 mil | Gávea Investimentos |
Washington Umberto Cinel | 1 milhão e 525 mil | Gocil Serviços de Vigilância e Segurança Ltda |
Odilio Balbinoti Filho | 1 milhão e 500 mil | Atto Agro |
Robert Carlos Lyra | 1 milhão e 480 mil | Delta Sucroenergia |
Wilson de Almeida Junior | 1 milhão e 395 mil | Pacaembu Construtora |
Ricardo Fernandes de Araújo | 1 milhão e 330 mil | Mil Tec Tecnologia |
Ricardo Castellar de Faria | 1 milhão de 250 mil | IPA investimentos, DCR Transportes e Granja Faria |
Luis Stuhlberger | 1 milhão e 212 mil | Verde Investimentos |
Jayme Brasil Garfinkel | 1 milhão e 210 mil | Grupo Porto Seguro |
Ricardo Minatto Brandão | 1 milhão e 200 mil | Brametal Sul Metalúrgica |
Walter Moreira Salles Junior | 1 milhão e 150 mil | Cambuht Alpa Holding LTDA e outras |
Helio Seibel | 1 milhão e 134 mil | HS investimentos |
Frederico Carlos Gerdau J | 1 milhão e 134 mil | Grupo Gerdau |
Neide Sanches Fernandes | 1 milhão e 100 mil | NSF Administração de bens próprios e participações SA |
Elisa Sawaya Botelho Brancher | 1 milhão e 85 mil | FCBB Empreendimentos e Comercio LTDA |
Patrice Philippe Nogueira B. | 1 milhão e 75 mil | Allied Tecnologia SA |
Ralph Gustavo Rosenberg W. | 1 milhão e 35 mil | Mari Minas Newco III Energia Solar SA |
Jean Marc Robert Nogueira B | 1 milhão e 25 mil | CVC Partners |
Eduardo Mantegazza Serafim | 1 milhão e 10 mil | Ductus Empreendimentos SPE S.A |
Gilson Lari Trennepohl | 1 milhão | Stara |
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